Poesia

A Poesia alcança as fadas, encanta a chuva na madrugada, acompanha os ébrios nos dormentes e se mistura à solidão nas calçadas.

5 de agosto de 2013

Promessa de flores.


                                                                 
Imagem Mara Cruz




     Sempre pelas manhãs, Maria, colhia flores  para colocar nos vasinhos frente à Imagem da virgem  do Perpétuo Socorro. A devoção  ela havia adquirido através de uma promessa, feita pela mãe quando  no momento de dar à luz, pediu à Virgem,  na sua aflição pelo difícil parto, para que sobrevivesse  e salvasse a  filha e em promessa, a mesma teria o seu nome, e manteria uma Capela com sua imagem,  lhe trazendo flores frescas pelas manhãs durantes todos os dias de sua vida.
     A menina Maria  crescia com muita saúde e vigor, e foi acompanhando a mãe em suas visitas à pequena Capelinha construída com pedras no fundo do quintal de sua casa.
     Era lindo vê-la com as mãozinhas repletas de margaridas, rosas, jasmins, para trocar  pelas florzinhas  murchas, fazer orações, repetindo as palavras da mãe
    O cumprimento da promessa lhe trazia muita alegria, sentia-se protegida e de tanta devoção,tornou-se compulsiva.
    Maria tinha que encontrar flores. Não tinha mais sua mãe, mesmo assim não abandonou a promessa, e todas as manhãs saía em busca de flores.  Não era fácil ter tantas flores assim. No seu jardim as plantinhas já se sentiam  ameaçadas de tanta exploração.  Algumas acabaram por morrer. Maria,  ia até as casas que vendiam flores e comprava produtos para aumentar sua produção de rosas e flores diversas. Não tinha condições para comprar vasinhos com flores todos os dias, era melhor investir na terra do próprio quintal, mas isto levava tempo sem contar com o problema das estações.
     Ao que comentava toda a vizinhança, Maria já se tornara inconveniente, perturbando a todos  a procura de flores. Embora muitos se enternecessem com o motivo da moça, outros já  a chamavam de “A louca das flores”. E quando ela aparecia no portão, davam logo um jeito de se esquivar. Pobre Maria que agora estava com seus vinte anos passou a roubar as flores durante a noite.  Tudo isto lhe custou muitos transtornos, com a vizinhança que já a olhava de cara torcida, por mais que o motivo fosse  o de uma grande causa.
    Não se passou  um dia sem que  a  Capelinha  não recebesse as flores. 
    Maria casou-se teve filhos. Nunca soube ao certo,  o que pesava mais, o roubo das flores,  ou a fidelidade  no cumprimento da  promessa feita pela mãe. Até das praças públicas ela as retirava arrancando-as pela raiz, para  replantá-las no seu próprio quintal, aproveitando as flores para enfeitar a Capela. E assim de vez em quando teria as próprias flores.  Alguns aconselharam-na  a  procurar um padre, para que ele possivelmente, a libertasse desta promessa, que era uma promessa de sua mãe, etc., mesmo que lhe desse uma outra menos complicada. Mas ela permanecia radical.
    Os anos se passaram, ela ficou velha, teve netos  e bisnetos.  Se locomovia com dificuldade, carecia de muitos cuidados, mesmo  assim vinha de alguma forma cumprindo com a  promessa.
    Um belo dia  encontrava-se  no jardim florido. Com muita alegria contemplava as florzinhas brancas da cor dos seus cabelos. Não pensou duas vezes, abaixou-se com muita dificuldade e com  toda sua pequena força, lançou mão do galho mais florido e o arrancou pela raiz.  Logo apareceu sua neta que a observava à algum tempo. Quando notou sua presença, a  velhinha , meio sem graça se pôs a explicar , trazendo o assunto de sua própria história.
    - Oi moça  linda,  me perdoe, mas preciso das flores, elas estavam sobrando aqui no  jardim e eu preciso levá-las para a minha casa e entregá-las à Virgem do Perpétuo Socorro. Não se zangue não, exclamou com ar de sofrida.
    Sua neta, ainda pensativa e assustada,  com toda aquela cena,  a tomou pelo braço e disse:

    - Minha avozinha querida,  não percebes que estás em tua própria casa? Disse e em seguida a beijou na face.

Lourdinha Vilela

7 comentários:

  1. Um conto interessante...acabei de ler e estou ainda pensando.Há todos os elementos para uma reflexão, racional, poética e mística ao mesmo tempo...penso que alcançou o objetivo de nos fazer pensar e cuja solução só pode estar dentro de nossa própria alma.Gostei!
    Um abraço

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    1. Obrigada Guaraciaba,
      Verdade amiga, a fé é algo que compete à nossa alma, e que nos torna possíveis as atitudes por vezes não compreendidas.
      Bjs. Adorei seu comentário.

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  2. Muito terno seu conto. Não é uma obsessão querer cumprir uma promessa. A falta e solidariedade e os julgamentos costumam dificultar a vida de quem tem um coração puro e alimenta a fé. Bjs.

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  3. Perfeito seu comentário Marilene, penso exatamente dessa forma.
    Um grande abraço, obrigada pela presença.
    Bjs.

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  4. Que lindo, comovente esses conto e como adoro flores fico pensando se não serei como ela,rs Procurando flores sempre! Quanto ao final,

    vivo esses drama ,mais ou menos assim ,com minha mãe... pena! beijos,chica

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  5. Olá Lourdinha,

    Um conto bem comovente.
    Particularmente, creio que promessas feitas por terceiros não trazem ônus a não ser para a pessoa que a fez. Mas Maria abraçou a causa com amor e devoção e não precisaria ter sido levada a roubar as flores se tivesse merecido a solidariedade e a compreensão da vizinhança.

    Beijo.

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  6. Querida

    Não tenho este dom maravilhoso de escrever.
    Mas adorei seu texto,lindo!!!!

    Obrigado pelo carinho da vst,vc é muito gentil
    Uma Boa Noite
    Bjsss

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