Poesia

A Poesia alcança as fadas, encanta a chuva na madrugada, acompanha os ébrios nos dormentes e se mistura à solidão nas calçadas.

5 de junho de 2016

Mundo infantil - Entre belas e feras.

Aqueles sábados  eram muito aguardados.

   Os cheiros que vinham da cozinha, previamente anunciavam  os sabores  que certamente seriam bem diferentes das refeições  cotidianas.  Um casal bem vestido e de óculos escuros eram nossos convidados de sábado,  e já estavam chegando - meus tios, os convidados de sempre.
  Naquele sábado em especial   comemorávamos  o meu aniversário e o meu presente seria o cumprimento de uma promessa  de me levarem  ao cinema recém inaugurado,para   assistir o filme “ A Bela Adormecida no Bosque”. (na produção da Disney) Eu estava  eufórica , na escola não se comentava outra coisa  e para uma menina de nove anos que não conhecia  o  cinema, era  algo mágico
.
Horas depois do almoço...
 A sessão “ matinê”, termo muito usado na época, começaria as dezesseis horas.   Minha mãe trouxe- me  o melhor vestido. (naquelas épocas as mães escolhiam a roupa dos filhos e os ajudavam a se vestir). Com os cabelos esticados ao máximo para o alto da cabeça e feito um rabo de cavalo, sentia  veiazinhas  azuis se manifestando  levemente em minha testa, mas eu ficava calada, teria que suportar tudo  por uma boa causa. Estava  pronta para o passeio ao cinema. Meus irmãos também aguardavam  ao meu lado, com seus risinhos e brincadeiras  , bem comuns da idade,   parecíamos passarinhos nos fios,embora sentados no banco comprido de madeira na varanda,  alguns jogando as pernas para frente e para trás já que não alcançavam o chão.
 Estávamos todos ansiosos, mas a hora parecia não passar. Dentro da casa, mais um cafezinho era servido entre conversas intermináveis e gargalhadas  - Será que não entendiam a nossa pressa?

Chegamos ao cinema!
  Minha alegria  era total, logo senti a  boca secar. De tanta emoção, dispensei o pacote com pipocas, meu coração de menina parecia crescer dentro do meu peito,  e uma sensação de calor e frio me invadiu, tremia literalmente.  O ambiente gigantesco  com  centenas de poltronas à nossa espera e escolha, e aquela tela imensa,  tinham  um sabor de encantamento
O filme acabara de começar  e apesar de ser um desenho eu sentia os seus personagens como pessoas de verdade e um sentimento de  pequenez  subtraiu-me  de mim mesma , eu era apenas um grão  de areia num mar de sonhos e fantasias  que durante anos depois me fizeram desejar  ver  e sentir a mesma emoção numa reprise.
 Tudo era tão lindo... Os cabelos dourados da princesa Aurora ao vento  enquanto dançava com o príncipe Felipe-  Eu  não tinha idade para me sentir apaixonada por ele  mas o via como o  herói que iria destruir a bruxa Malévola.  As fadinhas  pequeninas e sábias, pude comparar com umas tias baixinhas que tenho e  que calçam “33”  e   ao jeito  delas, carinhoso e protetor. Tudo ganhava vulto  de grande felicidade e realização.

A bruxa.
  -Essa sim  me fez pela primeira vez sentir medo , era o lado ruim do filme,  e a sua gargalhada era  diferente daquelas gargalhadas que ouvi  enquanto aguardava  meus tios. Traziam algo de muito ruim e eu me perguntava - Se eram  apenas  risadas, por que então eram  diferentes -   separadas como  céu e abismo- enquanto eu tremia quando Malévola se manifestava invadindo salões,  isso sem falar do  seu plano  assustador. Na verdade passei a conhecer sentimentos que antes não conhecia,  o  egoísmo a inveja e ódio característicos da bruxa.
 Mais tarde porém,  no final do filme,  descobri  que o bem sempre vence o mal.

  Ao chegar em casa,  antes de comentar com meus pais sobre o filme, fui até uma escrivaninha na sala, peguei lápis, tinta preta  e comecei a desenhar a bruxa,  buscando na memória  alguns detalhes , mas  a cor preta  era predominante e marcante.(O mais curioso é que já possuía o álbum de figurinhas e esse não me causava nenhuma sombra de medo antes do filme)

  Hoje   me pergunto por que desenhei a bruxa e não a princesa?  Talvez quisesse  derrotá-la  mais uma vez , colocando-a numa posição inferior  que pudesse dominá-la, tê-la em minhas próprias mãos e guardá-la em uma gaveta, como também fiz com o álbum.)  Assim  escondido, o medo passaria e ficariam somente  as  lembranças  doces,  com seus coloridos azuis e rosas, o verde dos campos,  o bailar dos vestidos das fadinhas e o da princesa, o belo príncipe e seu cavalo magnífico, as carinhas   meigas dos esquilos , da  coruja  e a trilha sonora  que jamais esqueci. - Coisas da imaginação infantil!
  As lembranças boas ficam para sempre. Apesar da bruxa,  essa é uma doce lembrança da minha infância somada  ao carinho e dedicação dos meus tios.

O desenho(original) 

  Eu o  guardo até hoje com carinho 

 .


Um pouco de cor  no computador.



 O medo Ficou preso para sempre  na gaveta  mas  posso abri-la,  pegar a bruxinha  desenhada  e  como fiz aos meus filhos e  à  minha neta, contar (ainda emocionada) a história da Bela Adormecida no Bosque.
imagem daqui
 http://disneyclub-gm.blogspot.com.br/2015/06/oh-my-disney-9-coisas-que-voce-nao.html


Lourdinha Vilela