Poesia

A Poesia alcança as fadas, encanta a chuva na madrugada, acompanha os ébrios nos dormentes e se mistura à solidão nas calçadas.

10 de outubro de 2013

Vícios

                                                                         Imagem do Google



A mesa estava posta. Os dois filhos aguardavam,inquietos, enquanto a mãe, ia e voltava  da copa para a janela  da sala que dava para a rua.

Clara achou melhor, que não esperassem mais pelo pai.

Sempre acontecia assim aos domingos.  Aquela mesa arrumada com muito carinho, toalha branca, travessas, flores,  tudo o que de melhor  uma mulher é capaz de fazer para agradar seus filhos e seu marido. Porém uma expectativa  que sempre frustrava  aquela linda mulher .

Almoçaram silenciosos. 

Clara serviu a sobremesa. Um sabor amargo, não deixou que ela a saboreasse com gosto.  De Vez em quando, os meninos viam lágrimas no rosto da mãe.  Foram para a sala de TV.

Após algum tempo,  ouviram a freada brusca do carro do pai que voltava sabe-se lá de onde, mas com certeza de algum bar.  Por mais que a situação se repetisse, a família não se acostumava, e era sempre motivo para sentirem o coração apertado,  como se algo faltasse  para preenche-los de vida.

Clara era uma mulher recatada  e acreditava que um dia aquela situação pudesse  reverter-se  e muitas vezes calava-se para  não tornar o ambiente desagradável aos filhos, mesmo quando Fábio, seu marido,  sem motivo algum, a não ser pelo pior deles, o de estar embriagado, criasse um conflito, algo que ela mais temia. Assim o tratava como se nada tivesse acontecido, amparando-o, escutando suas repetidas conversas, palavrões, risos e até choro. Uma transformação de água para vinho, que nesses momentos ela preferia engolir e sufocar. Logo ele  caia em sono profundo  e acordava outro homem, o mesmo    por quem se apaixonara.

Naquele dia porém, os filhos aguardavam Fábio para participar da festa do Dia dos Pais. Eles estavam ansiosos para que chegasse o domingo. Era uma festa muito bonita que acontecia todos os anos no colégio, mas pelo horário de sua chegada, sabiam que não daria mais tempo.
 Mais uma decepção, e as carinhas de tristeza cortava o coração da mãe. Há muito  não se divertiam juntos.  Deixaram de comparecer em vários compromissos,  entre eles, festas de aniversário, datas  de comemorações religiosas e escolares de grande importância e quando  compareciam, eram acompanhados apenas pela mãe.

Na  sala as crianças assistiam à um filme. Fábio entrou sem sequer cumprimentar os filhos. Mudou o canal de forma brutal.
 O mais velho resmungou :
– Poxa pai, estava no final do filme!
E o mais novo teve a infeliz ideia de dizer:
-É pai já estava no epilógo.
 Fábio  voltou-se para os filhos, furioso.
-Por  que acham que eu vou perder o futebol, para que vocês assistam a um filminho qualquer?  - Além do mais, o que estão fazendo na escola, que eu pago tão caro, e não aprendem  a falar.- Não é epilógo é epílogo. Epílogo, entenderam?!

Os meninos se encolheram assustados com a atitude do pai. Clara veio da sala , correndo e encontrou o marido furioso, esbravejando, gesticulando, para cima dos filhos...
 Foi a gota d´água. Seguro-o pelos braços, e uma forte discussão começou entre os dois.
-Não toque nos meus filhos. Disse  ela ao marido, colocando toda sua força na voz e nos braços. Desabafando sua mágoa, falou de suas decepções,  de  sua carência, enfim de tudo o que perderam juntos, em nome daquele vício que estava ganhando campo, comprometendo  a felicidade da família.
Caminharam para o quarto do casal, ainda em discussão. Em determinado ponto, Fábio, atirou o copo que até ali não largara, contra o espelho do armário. Calaram-se finalmente. Um silêncio doído, evocando outros sentimentos. Ele entrou no chuveiro. Pela primeira vez a mulher ousou desafiá-lo.

 Clara  olhou o  espelho   trincado.

Momentos depois ela  o observava, jogado na cama, o braço estendido em direção ao chão, e como  sentisse uma enorme pena, ajeitou-o para cima da cama. Era um homem bonito apesar da idade. Sentia que ainda o amava muito e sabia do amor dele por ela.  Não entendia, tanto sonho jogado fora. Antes era tudo diferente, eram um casal perfeito. Sentia agora na face as lágrimas de medo, incerteza e de saudade.

Amanheceu.

O sol vencia as cortinas e penetrava sutilmente no quarto, trazendo a claridade. Pardais em bando, entoavam uma canção frenética, saudando a manhã.

O espelho refletia como um mosaico a    imagem do casal abraçado.

Nova trégua, na batalha entre o rancor e o amor.

Lourdinha Vilela




8 comentários:

  1. Noooossa, pobre mulher que se deixa vencer assim pelo amor. Mais ainda vai acontecer com ela e até, quem sabem com os filhos... beijos,chica

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  2. Lourdinha,um conto muito bem escrito e uma situação que se repete em muitos lares,infelizmente! Eu adorei te ler! bjs,

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  3. Passando para deixar um grande abraço e desejar que sua sexta feira seja cheia de alegria.

    Beijos
    Ani

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  4. Oi, Lourdinha...é uma dura realidade que muitas famílias enfrentam...dolorosa e sem fim onde todos se machucam na alma.
    Um abraço

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  5. Oi, Lourdinha...de fato, o alcoolismo é uma chaga social que causa muito sofrimento e infelizmente estimulada.
    Um abraço

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  6. Oi, Lourdinha, conto que reflete a realidade do alcoólatra, uma família em destruição, um ser humano perdido, trauma nos filhos, frustração na mulher. É triste. Mas sempre termina mal se não for revertido o caso. Mas todos sabemos que é preciso muita força, apoio familiar e o 'querer a cura' do doente. Você narrou um quadro muito real, deu pena.

    Um beijão, Lourdinha.

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  7. Que história triste , mas o que fazer,
    é uma droga liberada e vendida em qualquer esquina.

    bjs

    http://eueminhasplantinhas.blogspot.com/

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  8. OI LOURDINHA!
    QUE PENA!
    UMA FAMÍLIA QUE PODERIA SER TOTALMENTE FELIZ, SE AMAM, MAS, UM VÍCIO QUE DEIXARÁ SUAS MARCAS, PRINCIPALMENTE NAS CRIANÇAS QUE NA CERTA SE TRAUMATIZARÃO COM ESTAS CENAS.
    MUITO BOM, TRISTE E REAL TEU TEXTO.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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