Poesia

A Poesia alcança as fadas, encanta a chuva na madrugada, acompanha os ébrios nos dormentes e se mistura à solidão nas calçadas.

10 de março de 2013

Abismo


                                     I




- Apenas estou olhando para as sandálias! - Paulo respondeu ao olhar severo de sua mulher. - Pensei em como ficariam lindas em seus pés. - Disfarçadamente retirou o olhar da mesa ao lado onde uma jovem se exibia num vestido curto. Parecia fascinado.  Recuou e aguardou o sermão. Porém só o silêncio se fez presente. Estranhou a atitude de Dora.
                                                                                  Qual seria a desculpa da próxima investida? Dora tinha certeza de que haveria outra. Paulo sempre se comportava assim, não conseguia amá-la somente, ou quem sabe nunca a tivesse amado. Em nome de que ou de quem teria suportado tudo. Toda a humilhação dos 16 anos de um casamento unilateral. Ele ainda era o mesmo menino apesar de terem uma filha de 15 anos. Continuava leviano e inconsequente.

Aquele era um dia especial para Dora. - O dia do seu aniversário. Claro que não esperava receber de presente um novo marido, reciclado e embrulhado em um papel dourado, ao menos poderia fingir um pouco, respeitar os amigos que os acompanhavam naquele jantar. Todos eles é claro conheciam sua fama de Dom Juan. Eram amigos de longa data, a contar dos tempos em que o casal se conheceu. Mesmo assim, Dora percebia um murmurar de indignação e pena entre eles. Ser classificada como a mal amada era o que mais doía e a incomodava nessas horas. Com certeza soubessem mais do que ela sobre as traições de seu marido, dos seus romances e encontros, orquestrados talvez, e, à luz de velas, pois era assim que ela imaginava que tudo acontecesse ao ser enganada ou seja,  da mesma forma  em que sempre sonhava em se encontrar ao seu lado, em lugares lindos, finos, em salões imensos para  dançarem envolvidos por um grande amor.  E agora ali estavam eles, Dora e Paulo nesse lugar maravilhoso, depois de toda a sua insistência para que ao menos uma vez   a  atendesse realizando os seu desejo.

                          II                                                                                                              

 Dora conhecia bem a localização do hotel-restaurante, apesar de não o frequentar. Soube de uma grande reforma no seu interior.   Ficou surpresa ao se deparar com o luxo e a decoração moderna dos ambientes, em contraste com a arquitetura que conservava ainda traços de um pequeno castelo medieval que tanto impressionava seus visitantes e clientes. Ficava um pouco afastado da cidade. Há algum tempo costumava fazer trilhas com seus amigos de faculdade por aquelas redondezas. Um lugar bastante acidentado, cercado por montanhas.  Atualmente o serviço de hotelaria se encontrava desativado e os proprietários ocupavam parte de suas dependências mantendo apenas o funcionamento do restaurante-dançante.
O jantar acontecia sem muita animação e é claro, Dora já um pouco decepcionada se encontrava como sempre muito triste. Nada de Príncipe e Cinderela, era apenas uma doce mulher tentando provar o gosto do encantamento sonhado. Seu olhar procurava pontos inferiores aos dos outros olhares, tentando esquivar-se, mal conversava, ouvia apenas o marido no seu discurso egocêntrico do: eu sou, eu fui eu serei, eu estive lá, além de suas insistentes olhadas para a mesa lateral que mais pareciam faróis cruzando-se em mão dupla, já que a referida garota  correspondia à todos descaradamente. Quem sabe já não haviam se cruzado antes por algum lugar ou até mesmo fossem mais próximos ainda. Tudo passava por sua cabeça e aguçava o seu sexto sentido.

Após o jantar, a sobremesa: Um lindo bolo branco decorado, com um glacê rendado, de um verdinho bem claro e suave, presente de sua amiga e madrinha de casamento. Nice era como uma irmã, sempre ao seu lado acompanhando, dividindo e ouvindo seus infinitos lamentos. O Garçom entrou com um buquê de rosas vermelhas e o entregou à Dora. A princípio se emocionou pensando ser uma delicadeza de Paulo, mas logo soube que se tratava de uma cortesia da casa.
Cumprimentos, abraços. Paulo, aproveitando o momento em que todos se distraiam saiu apressadamente distanciando-se do grupo.
Uma onda de ternura momentânea tomou conta de Dora enquanto abria as lembrancinhas recebidas de seus convidados. Perfumes, jóias, uma caixinha com flores artificiais e um lindo terço em Madrepérola que Nice trouxe da sua última viajem à Itália. 
- E Paulo? Dora falou quase alto-Ela notou sua ausência e sentiu um aperto no peito, algo que já estava acostumada a sentir, uma mistura de medo e desgosto.  Esperou mais alguns instantes e não conseguiu mais disfarçar sua inquietude, quando notou também a ausência da jovem na outra mesa. Pediu licença e seguiu em direção ao toalete.

Desceu dois vãos da escadaria, entre portas laterais direcionando o acesso aos lavabos. Uma decoração de extremo bom gosto desde o piso ao teto. Sentiu gelar o estômago ao escutar vozes que vinham de uma das portas. 
A atitude a ser tomada agora, lhe dava a sensação de ter uma bomba prestes a explodir por dentro. Se retornasse ao salão, perderia a oportunidade de descobrir o que imaginava ser, e assim se odiaria por não comprovar suas suspeitas. De outra forma, ficando e invadindo a porta poderia ver diante dos olhos tudo o que mais temia ao longo desses anos de convivência com seu  marido.   Relutando, sentou-se no degrau final da escada de mármore branco, ali permaneceu por alguns minutos. Levantou-se e tirou as sandálias, recordando-se do cinismo de Paulo quando se referiu às sandálias da moça. Olhou ao seu redor para obter a certeza de que ninguém a observava.  Chegou bem próximo à porta de onde as vozes eram cada vez mais fortes, pareciam estar discutindo. Aproximou-se mais ainda e pode reconhecer claramente a voz de Paulo, pensou em abrir bruscamente a porta e surpreende-lo com quem quer que fosse.  A discussão então havia cessado repentinamente. Dora segurou seu impulso por instantes. Resolveu então abrir vagarosamente a porta não se importando com o que aconteceria depois. 
Aos poucos Dora, presenciava tudo o que o seu coração já previa. Uma cena romântica entre Paulo e outra mulher, a mesma que antes se encontrava sentada ao lado deles.  Sentiu-se escandalizada.  Desorientada, fechou a porta sem despertar a atenção do casal, subiu as escadas quase se arrastando, hora de pé, hora apoiando suas mãos no mármore gelado da escada como se não conseguisse carregar o próprio corpo. Gelados também se encontravam sua alma e todo o seu ser.  Aos poucos a música do salão entrava pelos seus ouvidos- Yesterday. Ela adorava essa musica, mesmo assim resolveu caminhar no corredor contrário ao que levava ao saguão do restaurante, e seguiu até o final deste onde havia uma sacada- O restaurante era rodeado por sacadas- vasos com flores em seu peitoril chamaram sua atenção.  Aproximou-se e pode ver a copa das árvores que cercavam a propriedade. Imaginou estar bem distante do solo. Notou uma carreira de formigas e quase esmagou algumas delas com seus  braços. Carregavam pedaços enormes de folhas incompatíveis com seu tamanho. Sentiu-se como uma delas carregando em si mesma uma imensa tristeza. Chorava muito. Não era ciúme o que sentia, não, já o havia vencido. Não se importava em perdê-lo para outra, o mal foi perder-se de si mesma, não se reconhecia mais.- Dora quem é você? -Pensava inconsolada.

                                   III
                                                    

  Conduziu seu pensamento agora para um rosto meigo e sereno, o da própria filha, que se encontrava de férias em outro local. - E se ela soubesse? Qual seria sua reação? -Ele não amava tanto a filha como  pensou que amasse.  Ainda na sacada recordou-se das cenas de “Romeu e Julieta” o romance de William Shakespeare e dos seus versos que ela tanto gostava de ler. Alguns os trazia na memória, e os recitava agora sentindo o gosto da própria lágrima na boca. 
“De almas sinceras a união sincera 
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera,
Ou se vacila ao mínimo temor.
Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.
Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,
Antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém provou,

Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.”

Dora uma romântica autêntica e incurável, encontrou muitas vezes forças para viver esse amor, mesmo que de forma torta, incorporando personagens, minimizando assim seu sofrimento. Quem poderia encontrá-la e salva-la agora, que viesse montado em um cavalo  alado e secasse suas lágrimas? 
Abriu sua bolsa, as mãos tremiam, retirou de dentro dela um envelope que já se encontrava ali, há dias. Só agora teve a coragem de fazê-lo. Pegou umas fotos, dezenas delas, eram de Paulo e sua amante. Constatou a semelhança entre a mulher que se encontrava agora nos braços do marido.- O Detetive não economizou serviço! Pensou. Não chorava nesse momento, apenas foi invadida por uma onda de soluços secos e contínuos, tinha os pés e mãos frias embora fosse pleno    verão. Atirou a bolsa para baixo em seguida as fotos de maneira suave, uma a uma, erguendo os braços como no adeus.
No salão todos a aguardavam ansiosos.

                           IV                          

Dora desceu a outra escada que dava acesso ao jardim. Belíssimo. Com os pés descalços sentia as pedrinhas brancas arredondadas como se fossem massagens.  O foco verde que vinha das luminárias no solo, coloria com mais intensidade o natural aspecto das folhagens, e também sombreava o seu vestido branco. Atravessou o jardim, e desceu mais um pouco. O terreno era íngreme e perigoso. Andou sem destino durante uns quinze minutos e já escutava os gritos do pessoal que a aguardava no restaurante.  Gritavam por seu nome. Entrava agora por alamedas mais escuras com plantas altas, um solo pedregoso e muito irregular. Não deu importância aos chamados nem ao clarão de lanternas que volta e meia a alcançavam entre a mata, bem mais fechada. Numa descida frenética, soltou os cabelos que a fez perder horas no salão, jogou as presilhas no chão tomando distancia entre elas como se quisesse marcar o lugar por onde passava. Depois vieram os brincos, o colar, anéis, restou apenas a aliança de casamento, não conseguia se desfazer dela por mais que tentasse. Cantarolou yesterday entre lágrimas desesperadas, ignorando as placas que indicavam perigo. 
Dora ofegava. Sentou-se um pouco no chão, tomou fôlego, recolheu pedrinhas e num lance lúcido, escreveu: Perdão filha. Ergueu-se tropeçando como um bêbado desatinado, aprofundando-se mais ainda mata à dentro, seus pés sangravam, seu coração sangrava.  Já não mais escutava as vozes que gritavam por ela apenas um barulho oco de água corrente. Sabia aonde iria chegar se não parasse.  Aproximava-se mais ainda do abismo.  Porém o abismo maior já se instalara dentro dela. O luar tentava vencer a escuridão por entre a mata.  Passo a passo, pedras rolavam, Dora soltava o corpo e se entregava.  Um vento cortante agora. Sua última sensação...

 Um anjo a levou consigo em suas mansas asas brancas.

                                                         F I M


Meus queridos amigos, aqui neste último parágrafo, pensei em  mais duas possibilidades  finais:

Uma, na qual, Paulo ao ver o risco em que colocou sua mulher, e ao sentir a possibilidade de perde-la, se pôs desesperado à sua procura, e ao encontrá-la prestes a se atirar no abismo, veio em seu socorro, abraçando-a e pedindo perdão. Salvando o seu amor e seu casamento entre lágrimas e beijos e teria assim um final feliz. (Até quando?)

Em em outra , Paulo ao alcançá-la  agarraria-se  a ela, tentando salvá-la  e fatalmente cairiam juntos entre lágrimas e perdão, porém não haveria mais tempo....


Assim vocês podem optar pelo final que mais lhes agradem.



por Lourdinha Vilela
Imagem retirada da Internet.

7 de março de 2013

Mulher

Re postando


Já é dia.
Com as pontas dos dedos
Ela desembaça a vidraça
Orvalho da noite fria.
Sorri quando vê violetas,margaridas
Corre, pro espelho,
Escova o cabelo
Recomeça a lida.
As vezes com beijos
As vezes sem.
Depois de servir o café
Se despede dos filhos
De seu amor também
E essa é apenas uma face
de seus inúmeros papéis,
As vezes se encontra´,
Sem filhos, sem amor
Sem ninguem.
No transito, apressada pra chegar ao trabalho
Nas filas dos bancos, dos supermercados.
Ninfa, deusa ,sereia
Procura o batom
Jamais quer se sentir feia
O desafio: está por um fio
Antes do ônibus passar
Só falta chover, pra escova dançar
Olhos, caras e bocas
As vezes santa
As vezes louca
Se veste de médica
Professora,
cientista, enfermeira
Arquiteta, dona de  casa ou policial
Sentada à mesa
Encara a salada
Tudo normal.
E se acaso, essa mulher você encontrar...
Doce, amiga, dedicada
Leoa,bruxa,cinderela
Sejas feliz ou infeliz!
Jamais ficarás sem ela.



Imagem do google


Rosas e Chá para festejar. 

Lourdinha Vilela

imagem  Paint-Lú


3 de março de 2013






                                                                   Imagem  Google                                                               

Augusto Cury


A maior aventura de um ser humano é viajar,
E a maior viagem que alguém pode empreender
É para dentro de si mesmo.
E o modo mais emocionante de realizá-la é ler um livro,
Pois um livro revela que a vida é o maior de todos os livros,
Mas é pouco útil para quem não souber ler nas entrelinhas
E descobrir o que as palavras não disseram...

Quando somos abandonados pelo mundo, a solidão é superável; quando somos abandonados por nós mesmos, a solidão é quase incurável.






                                               Paint - Lu Vilela


1 de março de 2013

Natureza

Edouard Frederic Wilhelm Richter


     Afastei folhas e flores secas e ocupei lugar no banco, sob o Ipê amarelo. Pude reconhecer cada recanto. Uma suave brisa, na sua dança de vai e vem, trouxe o cheiro do campo por entre as cabanas criadas pelos salgueiros enfileirados e levou até as margens do rio toda a  saudade  que  se desprendia de mim.  
Refeita estou agora, neste abraço que recebo da natureza.

Lourdinha Vilela.