Poesia

A Poesia alcança as fadas, encanta a chuva na madrugada, acompanha os ébrios nos dormentes e se mistura à solidão nas calçadas.

20 de fevereiro de 2013

SE O MEU FUSCA FALASSE



Do Diário de Susan

 Fazia um frio intenso naquela tarde.

 Ana entrou no vestiário apressada. Olhou-se no espelho jogou um pouco de água no rosto. Tinha uma expressão alegre e curiosa. Escovava os cabelos, enquanto pensava surpresa na atitude do pai em ir buscá-la no colégio. Era primeira vez que isto acontecia.

 -Veste filha – disse estas palavras como um cumprimento.

  O pai trazia nas mãos, seu casaquinho vermelho de lã com gola branca.  Ana sabia ser aquela, uma ordem de sua mãe, sempre preocupada em protegê-la imaginando o óbvio.
  Não era muito dado a beijinhos e demonstrações carinhosas etc., mas era um bom pai dentro do possível, embora, sem corresponder totalmente às necessidades afetivas dos filhos. Ana já estava acostumada. A mãe cobria estas falhas em dobro, e a família seguia bem.

 - Vamos assistir a um filme? – perguntou.

Ana sentiu uma felicidade imensa e estranha, como quando na infância, imaginava a chegada do Papai Noel.

 -Qual filme pai? – perguntou, enquanto puxava o fecho do agasalho.

 -Surpresa!- Não contem não - Disse ele, dirigindo-se aos outros dois irmãos menores que também se encontravam ali.

 Seu pai, um taxista, se encontrava ainda uniformizado com uma camisa azul clara e uma calça social preta, bem surrados da noite e parte do dia de trabalho. Trazia uma alegria no semblante, algo que a menina nunca percebera antes, pois ele estava sempre murmurando e se queixando, hora pelo pouco dinheiro da praça, hora pelas dores que sentia na coluna.
 Os dias se sucediam dessa forma em sua vida.

Quase não tinha tempo para os filhos.  Mesmo assim, à noitinha trazia uns salgados deliciosos e sempre quentinhos de uma lanchonete muito conhecida na rodoviária local. Logo na entrada do portão de casa, atirava um salgado ao  cãozinho Mandrake que o aguardava fazendo festa. O nome do animalzinho foi copiado do personagem de um gibi que Ana gostava de ler.
 
  Ana também aguardava ansiosa, pelo pai, como se aquele gesto, ou seja, a entrega dos salgados que fazia diretamente em suas mãos, e também em especial, o sorriso que se abria em seu rosto, simbolizassem as únicas manifestações de afeto entre pai e filha. Era realmente um elo. O sorriso substituía abraços e palavras que raramente aconteciam e significava muito, como um sinal de amor.  Por conta disto, Ana não desistia de esperar por estes momentos, mesmo que por várias vezes se encontrasse sonolenta e mal saboreasse um salgado sequer.  Tudo era um grande pretexto para se aproximar um pouco mais do pai.

  No cinema, compraram pipocas, balas e chicletes. Havia um grande burburinho de vozes. Outras meninas pareciam desfilar enquanto buscavam lugares nas cadeiras entre os corredores. Ana sentia-se acanhada por não estar vestida adequadamente.

“Se o meu Fusca falasse”, na versão brasileira, filme americano de Walt Disney, era o grande sucesso do momento. Agora ela conseguia entender o interesse do pai na escolha do filme: o seu táxi era também um fusquinha.  Durante o filme, muitas risadas entre eles.  A liberdade de poder rir ao lado do pai, de ser ela mesma, sem medo, estabelecia confiança, amizade, e tantos outros sentimentos que brotavam naquela hora, em que ele, como se voltasse a ser criança, retorcia-se de tanto rir, sem se parecer em nada com o pai severo, fechado e às vezes repressor.
 Ao saírem do cinema, era como se o filme continuasse dentro do carro enquanto comentavam as melhores e mais engraçadas cenas, até chegarem a casa.

Passaram-se alguns dias.

 Ana, não entendia a personalidade do pai apenas imaginava que algo poderia estar acontecendo, ele andava mais calado ainda, ela porém preferia conservar a doçura do seu encontro com ele e os irmãos no cinema, e isso lhe trazia muita alegria. Claro que sonhava com outros passeios como aquele.  Neste dia entregou ao pai um recorte de revista com seus dados e uma carta para serem colocados no Correio. Queria fazer um curso técnico de pintura a distancia. Tinha muita tendência às artes plásticas e apesar da sua pouca condição financeira sabia que não iria desistir. Aquele seria só um pequeno começo até cursar uma faculdade. O pai, agora demonstrava uma tristeza profunda e um silêncio gritante, como se o mundo lhe estivesse pesando sobre os ombros. Colocou a carta no bolso direito da camisa e saiu.

Jamais retornou.

Julho, 1970.

 Naquela manhã, Ana encontrava-se sozinha em casa, a mãe teria saído com os filhos menores para o centro da cidade. No rádio ela ouvia a canção de Vincent Bell- Airport Love Theme.
 Notou um barulho de carro em frente  a casa. Chegou até a janela, puxou um pouco a cortina, e viu um carro de polícia estacionando. Voltou e abaixou o volume do rádio, sentindo no coração as batidas de um surdo. Logo os policiais se aproximaram com um papel na mão. Ana reconheceu o recorte de revista e a carta que entregara ao pai. O Policial se identificou e pediu a presença da mãe de ana ou de um adulto. Ana quase puxou os papéis das mãos do policial, imaginando muitas coisas.  A música no rádio agora era um fundo triste a embalar sua aflição.
 –Pode falar Senhor, eu sei, alguma coisa aconteceu ao meu pai. Falava movendo-se de um lado para o outro. O Policial pediu novamente a presença de um adulto.
  - Eu estou sozinha, mas tenho uma tia que mora aqui perto.
 - podemos ir até lá.  Disse Ana. E em seguida entrou no carro, na companhia dos policiais, sem hesitar.
Na casa da tia, Ana presenciou todo o discurso. Viu muitas lágrimas em seus olhos.  Soube então do gosto amargo da tristeza, do vazio e do fim.

 Em poucos dias o carro foi encontrado.

 O fusca bege e os sinais...

 Foi colocado na garagem e coberto por uma lona imensa.

 A ausência do pai tornou mais viva as suas recordações.        Imediatamente, em seu pensamento pode rever o filme, os risos, e a alegria.

A alegria...

O frio, o frio...

Uma interrogação a ser desvendada pela polícia era agora o único sentimento que a envolvia, e, a todos os seus familiares.

Ana chorava.

- Ah! Meu pai.Se o seu Fusca falasse...


Lourdinha Vilela



                            

 http://www.youtube.com/watch?v=Ng1aJtWcwlk


17 de fevereiro de 2013

CREPÚSCULO





Há um tanto de mim neste céu,
Quando me douro de sonhos
Ao desenhar poemas
sob o adormecer do sol.

Lú Vilela


Fotografia Lú
Palmital- MG.



8 de fevereiro de 2013

A CRISTALEIRA

                                                                           

                                                                           
                                                                           
                                                                           



À minha mãe




Na cristaleira,
 guardiã de saudades,
Volto e revejo os cristais.
Tão antigos e tão novinhos,
taças de água e de vinho.
Mergulho no espelho, no fundo,
 no fundo...
não me vejo,
vejo o carinho,
 o espelho limpinho,
refletindo o zelo,
a boa vontade.
Tempo e mocidade, ali escritos.
O casalzinho do bolo
no copinho azul de licor,
Ainda juntinhos dançam, a dança do amor.
 E uma nota sozinha, ainda restou,
Da canção cristalina que o tempo
não quebrou.

Lú Vilela




4 de fevereiro de 2013

SÂNDALO










 Parecia sândalo. O perfume invadiu o corredor de paredes claras, desceu as escadas.  Como que puxado por um imã, ele o seguia.  O silêncio se rompia pelo barulho de saltos, cada vez mais próximo. Alcançou outro lance, tremia ao imaginar a provável presença do que o atraíra.  A expectativa formidável de desvendar o mistério criado por si próprio. Caça e caçador.  Apressou-se, queria saber, olhar, sentir mais de perto.  Agora já no saguão do prédio, muita gente se cruzando.  Algumas pessoas aguardavam em frente aos balcões, um frenético ruído de vozes, pessoas visivelmente apressadas como o de costume.  Outros perfumes se misturando no ar, mas aquele que lhe fez vibrar de curiosidade era inconfundível - Madeira - mantendo ainda suas “notas do coração”.  Num relance, seu olhar avistou a silhueta definida de uma jovem mulher saindo apressada pela porta principal do edifício.  Só poderia ser ela.  Correu até lá.  Rapidamente ela ganhou a rua e atravessou a avenida de mão dupla marginada de arbustos floridos.  Ainda na portaria ele observava um pouco decepcionado, quando a viu entrar em um carro e partir.  Com a cabeça baixa, pode perceber um papelzinho dobrado, jogado no chão. Mil idéias vieram em seu socorro - Seria um número de telefone, um endereço - talvez ela o quisesse atrair propositadamente ou quem sabe estaria ele ficando louco. Viajou no passado triste de muita saudade ao mesmo tempo tão presente agora visto a inquietude do seu coração. Caminhou um pouco, o sol infiltrando-se entre as árvores embaçou seus olhos enquanto abria o papel quase rasgando. Seu único desejo era que nele encontrasse alguma pista.  O delicado papel porem estava em branco, apenas impregnado com o  perfume  que lhe arrebatou a alma. 


por Lourdinha Vilela



Um perfume é resultado de uma mistura de muitas essências, são mais de 75. Por essa razão, ele é composto por notas, sejam notas de cabeça, notas de coração e notas de fundo. Essas notas são divididas em etapas de acordo com o tempo de evaporação de cada uma delas quando em contato com a pele.


Se quiser saber mais:
http://www.nemawashi.com.br/?pagina=info_coluna.php&coluna_id=11


Re-postando.



2 de fevereiro de 2013

Brilho no olhar




os teus olhos tecem estrelas
que você traz pra mim,
em pleno dia,
É sempre assim.

Os meus olhos então
transbordam   estrelas
que aos teus olhos
 devolvo sim.

E o nosso olhar
se inunda de um brilho...
no nosso amor
que não tem fim.

LúVilela



A imagem foi retirada da Internet